Caserna de luxo
Num dos bairros mais caros do País, o Exército vai construir condomínio de luxo
para um seleto grupo de generais e cobrar preços camaradas
Claudio
Dantas Sequeira
TERRA CARA
A área onde o prédio será construído tem preço
médio de R$ 10 mil o metro quadrado
A área onde o prédio será construído tem preço
médio de R$ 10 mil o metro quadrado
Um
grupo de generais reuniu-se, há duas semanas, em Brasília, para
discutir um tema sigiloso. Nada a ver com eventuais
ameaças à segurança nacional. Estavam ali para tratar de
negócios privados. Mais especificamente da construção
de apartamentos de luxo no recém- criado Setor Habitacional
Noroeste, um dos bairros mais caros do País. Ali, qualquer
empreendimento não sai por menos de R$ 10 mil o metro
quadrado, média mais alta do que a de bairros ricos, como os
Jardins, em São Paulo. Mas esses oficiais pagarão pelos
imóveis a metade do preço de mercado. Contarão com financiamento
em condições privilegiadas e ainda poderão faturar alto com
a venda dos apartamentos por mais que o dobro do valor de compra
– segundo projeções do próprio mercado imobiliário.
Um
negócio para camaradas.
Quem
está à frente do projeto é um general reformado, o presidente da
Fundação Habitacional do Exército (FHE), Clóvis Burmann, que
ocupa há 14 anos o cargo. A transação está gerando polêmica nas
Forças Armadas, principalmente pelo sigilo com que vem sendo
tratada. “Qualquer investimento deve ser debatido em assembleia
convocada em diário oficial, o que não ocorreu. Ninguém sabia
desse edifício no Noroeste”, reclama o presidente da Cooperativa
Habitacional dos Militares das Forças Armadas (Coohamfa), Tiago
Pereira da Silva.
CONFORTO
O comandante da FAB, Juniti Saito, pretende
comprar um dos apartamentos
O comandante da FAB, Juniti Saito, pretende
comprar um dos apartamentos
De fato, apenas
alguns generais de quatro estrelas foram convidados por Burmann para
“investir” no projeto. Fontes militares confirmaram à ISTOÉ que
foi fechada uma lista de 48 nomes, dentre os quais estariam militares
de alta patente da reserva e, principalmente, da ativa. O comandante
da Aeronáutica, Juniti Saito, foi um dos convidados a integrar o
seleto grupo de investidores e, de acordo com a assessoria de
imprensa da FAB, o brigadeiro está analisando o projeto e pretende
adquirir uma unidade. A FHE, no entanto, não informa quem são os
outros militares que, como Saito, estão prestes a fechar o negócio.
“Não podemos dizer quem são os investidores porque o projeto
ainda não foi lançado oficialmente”, alega o diretor de crédito
imobiliário da Poupex (Associação de Poupança e Empréstimo),
José de Castro Neves Soares. A Poupex, segundo Soares, é uma
instituição financeira de crédito imobiliário, “que capta
recursos de poupança junto ao público em geral e é gerida pela
Fundação Habitacional do Exército”. O presidente da Poupex é o
mesmo general reformado Clóvis Burmann, da FHE. Ele não vê
conflito de interesses no caso.
O prédio da FHE
no Noroeste terá seis andares, conforme o padrão brasiliense, e
apartamentos de 120 a 180 metros de área útil, com acabamento de
primeira, lazer integrado e “tecnologia ecológica”, como
aquecimento solar, reaproveitamento de água e pré-tratamento de
esgoto. Em uma das reuniões dos militares que entraram no negócio,
um oficial chegou a sugerir a construção de uma piscina olímpica
no condomínio. Mas foi dissuadido pelo arquiteto, que, para não
encarecer o projeto, sugeriu uma piscina mais modesta, com 25 metros
de extensão. O preço dos apartamentos do futuro edifício, que
ganhou o apelido de “paraíso dos generais”, deve girar em torno
dos R$ 5 mil o metro quadrado. “Nosso preço é mais baixo porque
não incluímos a margem de lucro do incorporador”, afirma Soares.
A explicação, no entanto, não convence o presidente da Associação
do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi), Adalberto
Valadão. “Ninguém consegue comprar, construir e vender um imóvel
no Noroeste a R$ 5 mil o metro quadrado. Não conheço a situação
da Poupex, mas acho que tem coisa aí”, diz Valadão. Só o terreno
em que será erguido o empreendimento custou R$ 11 milhões.
Para o
procurador do Ministério Público junto ao TCU, Marinus Marsico, é
preciso saber se o imóvel está sendo subsidiado com recursos
públicos. De acordo com a Lei 6.855 de 1980, a Fundação
Habitacional do Exército é abastecida com recursos do Orçamento da
União e contribuições de militares. “Se os recursos públicos
estão sendo repassados para a fundação e de alguma forma
concorreram para a construção desse imóvel com preço abaixo do
mercado, pode ficar caracterizada remuneração indireta”, diz o
procurador. Já o presidente da Coohamfa considera o privilégio dado
aos oficiais “imoral e ilegal”. “A lei que rege a Fundação
Habitacional do Exército é clara. Os programas habitacionais devem
priorizar os militares de baixa renda. Mas nunca sai nada”, afirma
Tiago Pereira da Silva. O diretor da Poupex, por sua parte, diz que
em Brasília a FHE não dispõe de imóveis para baixa renda, mas
alega que está construindo apartamentos para a classe média num
terreno próximo à cidade-satélite de Águas Claras. O
empreendimento é feito em parceria com a construtora Paulo Octavio e
terá apartamentos com preços entre R$ 300 mil e R$ 700 mil.
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