Luiz Emílio Leo*
Por estranhos caprichos se encontraram,
Em um velho galpão abandonado,
A terrível garganta de um canhão
E a afiada navalha de um arado.
De repente uma voz rompe o silêncio,
Fazendo estremecer todo o galpão.
Voz cavernosa, tétrica, sóbria;
Vinha da negra face do canhão.
“Diz-me, pedaço insignificante,
De ferro inútil por mal empregado: que
Fizeste no mundo, de que serves, qual o
Valor do que se chama arado.
Podes falar-me sem constrangimento
Diante de minha superioridade,
Quero também saber a tua história e o
Que fizeste pela humanidade”.
E a afiada lâmina do arado lançou a
Sua voz na escuridão; Falou com
Calma e com serenidade: “Ouve terrível,
Rápido canhão.
Julga-te superior e me desprezas.
Triste poder da força que assassina!
Há entre nós só uma diferença: Eu
Sou a construção tu és a ruína.
Porque blasonas superioridade, se tens
do sangue e do ódio a atroz missão?
Tu revolves a terra para morte,
Eu a terra revolvo para o pão”.
Sou o bem, tu és o mal. Paz e guerra!
Matas milhões para um herói criar;
Sacrifico a um só, lavrando a terra,
Para milhões com trigo alimentar.
Calado, ouve o canhão, depois, sereno,
Triste falou: “meu velho arado, vejo
Que és bom, és justo, e te admiro.
Porque vives ao bem sacrificado.
Mas não me queiras mal; o meu destino
Será somente visto com pavor.
Sempre temido, não serei amado;
Só ódio e maldição, jamais amor!
Saiba porém, meu velho companheiro,
Que não só represento a destruição.
Todos me odeiam porque sou temido:
“ULTIMA RATIO REGIS”, o canhão.
Ora diz-me: Tu sabes porventura o que
É paz, soberania, estado?
Que é liberdade, que é democracia?
E o direito de um povo, pobre arado?
Sabes o que é viver na independência?
Tu não odeias também a escravidão?
Nem só de trigo vive a humanidade,
Nem, só de sonhos vive uma nação.
Eu sou a sentinela do direito,
O forte guardião da liberdade.
Marco as fronteiras da soberania,
Desumano, eu defendo a humanidade.
Se, porventura, os déspotas tentarem
Tomar teus campos de alourado trigo,
Eu surgirei, e meu poder tremendo
Será, então, arado, teu amigo.
E tu, n’ânsia incontida da defesa
Do solo pátrio contra o estranho ousado,
Darás todo teu ferro para balas,
E serás um canhão em vez de arado”...
*Prof. Dr. Luiz Emilio Leo, que foi Lente de Português e Literatura no Colégio Lemos Júnior (Rio Grande do Sul), publicou o livro de poesias "Força e Beleza", em 1943, uma de cujas poesias é esta "A Biblioteca e o Arsenal".
Por estranhos caprichos se encontraram,
Em um velho galpão abandonado,
A terrível garganta de um canhão
E a afiada navalha de um arado.
De repente uma voz rompe o silêncio,
Fazendo estremecer todo o galpão.
Voz cavernosa, tétrica, sóbria;
Vinha da negra face do canhão.
“Diz-me, pedaço insignificante,
De ferro inútil por mal empregado: que
Fizeste no mundo, de que serves, qual o
Valor do que se chama arado.
Podes falar-me sem constrangimento
Diante de minha superioridade,
Quero também saber a tua história e o
Que fizeste pela humanidade”.
E a afiada lâmina do arado lançou a
Sua voz na escuridão; Falou com
Calma e com serenidade: “Ouve terrível,
Rápido canhão.
Julga-te superior e me desprezas.
Triste poder da força que assassina!
Há entre nós só uma diferença: Eu
Sou a construção tu és a ruína.
Porque blasonas superioridade, se tens
do sangue e do ódio a atroz missão?
Tu revolves a terra para morte,
Eu a terra revolvo para o pão”.
Sou o bem, tu és o mal. Paz e guerra!
Matas milhões para um herói criar;
Sacrifico a um só, lavrando a terra,
Para milhões com trigo alimentar.
Calado, ouve o canhão, depois, sereno,
Triste falou: “meu velho arado, vejo
Que és bom, és justo, e te admiro.
Porque vives ao bem sacrificado.
Mas não me queiras mal; o meu destino
Será somente visto com pavor.
Sempre temido, não serei amado;
Só ódio e maldição, jamais amor!
Saiba porém, meu velho companheiro,
Que não só represento a destruição.
Todos me odeiam porque sou temido:
“ULTIMA RATIO REGIS”, o canhão.
Ora diz-me: Tu sabes porventura o que
É paz, soberania, estado?
Que é liberdade, que é democracia?
E o direito de um povo, pobre arado?
Sabes o que é viver na independência?
Tu não odeias também a escravidão?
Nem só de trigo vive a humanidade,
Nem, só de sonhos vive uma nação.
Eu sou a sentinela do direito,
O forte guardião da liberdade.
Marco as fronteiras da soberania,
Desumano, eu defendo a humanidade.
Se, porventura, os déspotas tentarem
Tomar teus campos de alourado trigo,
Eu surgirei, e meu poder tremendo
Será, então, arado, teu amigo.
E tu, n’ânsia incontida da defesa
Do solo pátrio contra o estranho ousado,
Darás todo teu ferro para balas,
E serás um canhão em vez de arado”...
*Prof. Dr. Luiz Emilio Leo, que foi Lente de Português e Literatura no Colégio Lemos Júnior (Rio Grande do Sul), publicou o livro de poesias "Força e Beleza", em 1943, uma de cujas poesias é esta "A Biblioteca e o Arsenal".
Muito bom!
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