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Bem vindo! Este blog tem por fim compartilhar notícias que, talvez, podem ser interessantes aos leitores. Sem tomar partido algum, a intenção aqui é meramente repassar informes sobre assuntos diversos veiculados na mídia, dentro do princípio de auxiliar com oportunidade. Cabe a cada qual, no uso do bom juízo e senso crítico, investigar a fonte e a veracidade das postagens. Os artigos aqui postados foram compilados da "internet" e não refletem necessariamente as ideias ou opiniões deste blogueiro. "Examinai tudo. Retende o bem (Ts 5:21)."



terça-feira, 20 de dezembro de 2011

SERVIÇO DE ESCALA

O vídeo abaixo, postado no You Tube, me lembra um "happy hour"  no Clube dos Sargentos em comemoração  à promoção de um subtenente a Oficial QAO. O cidadão abaixo que canta alegre e empolgadamente mais parece aquele companheiro recém-promovido a oficial que, depois de 28 anos de efetivo serviço em Corpo de Tropa (tropa mesmo), dos quais 24 anos concorrendo a serviço de escala (4 anos no mato montando acampamento), finalmente ficará mais aliviado. Voltará à escala, porém, no que lhe resta de tempo de vida útil, passará a tirar o serviço sem o seu velho fuzil.


                Com o mesmo tempo de serviço do  referido companheiro, um aspirante de sua época de formação já é coronel antigo (guardadas as justas proporções: um aspirante tem 4 anos de vantagem de tempo, estudo e preparação) que desde a promoção a capitão, não concorre mais ao serviço de escala, ao passo que os sargentos continuam até o fim de suas carreiras expostos aos desgastes decorrentes dos serviços e acampamentos. Ora, naturalmente, durante a carreira militar o corpo do praça se degrada e envelhece tanto quanto o do oficial, suas ocupações e preocupações também acompanham as do oficial. 



Analogias à parte, o fato é que os praças deveriam ter participação ativa e efetiva nas questões respeitantes aos seus destinos, porquanto tais questões interferem diretamente nas suas condições de saúde física e mental. Por exemplo, deveria ser criado, via decreto ou portaria, o cargo/função do Sargento Adjunto do Comandante (1 Sgt Adjunto do Cmt OM + 1 Sgt Adjunto de Cmt SU) com imunidade e poder de influência, para participar de reuniões quando estiver na pauta o serviço de escala para praças ou questões relacionadas a justiça e disciplina envolvendo praças. 
                     
                     Mas, no sistema atual, como um mero sargento teria a serenidade e o desembaraço necessário diante do seu Comandante para expor questões delicadas e expressar-se sem temer represálias ou animosidades? Bem sabemos que para um subordinado manifestar-se livremente "sem papas na língua" ele teria que, primeiramente, sentir-se seguro, certo de  que suas investidas e iniciativas não seriam interpretadas pelo seu Comandante como postulações afrontosas e descabidas. Para isso o Sistema de Avaliação do Pessoal teria que mudar. Teria que deixar de ser "servilista" e dominador. É cediço que esse sistema serve de cabresto a muitos chefes com tendências tirânicas, paralisa o voluntarismo, retrai as iniciativas participativas pro-instituição, e  inibe a espontaneidade dos subordinados, seja por covardia, egoísmo, ou por puro medo. 
                      
                    A propósito, assista o vídeo abaixo. É um trecho do filme "Fomos Heróis". Observe o militar de cabelos brancos, sempre ao lado do Comandante da Unidade (Mel Gibson). Ele não é oficial. É sargento. Sargento Plumley (Sam Elliott), Adjunto do Comandante da Unidade. É apenas um filme, uma obra de ficção, mas, é um excelente exemplo de elo de comando e respeito mútuo. A relação hierárquica entre os dois militares no filme retrata bem o que está disposto no artigo nº 35 do Estatuto dos Militares Brasileiros,  artigo menosprezado por muitos oficiais brasileiros. Paralelamente, o vídeo em comento serve também como uma mensagem a alguns Comandantes  que esqueceram do seu papel:                       

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É cediço que a despeito de comporem a mesma categoria profissional dos oficiais, de vestirem a mesma "segunda pele", de suarem e sangrarem juntos nas missões pelos mesmos ideais, e de a maioria possuir grau de escolaridade no nível dos oficiais, os praças, ainda, são tidos pela cúpula da oficialidade como integrantes de uma classe inferior, que não precisam de  porta-vozes que não sejam oficiais, seus tutores e curadores. Tanto é assim que alguns chefes militares embargam-lhes as tentativas de associação, quando não reprimem-lhes a liberdade de expressão, e insistem em não admitir que tenham quem os represente, a não ser eles mesmos. Atualmente, sob a égide da Constituição Federal, isso é inadmissível. Precisamos mudar esse quadro urgentemente.

Dado o ensejo, quero aqui expor um trecho de um texto extraído da obra “Militares pela Cidadania” da lavra do sociólogo Robson Augusto da Silva, que muito bem completa as minhas colocações, verbis:

(…) a categoria composta pelas praças das forças armadas seria uma "classe em si", pois possui prerrogativas, obrigações, ambientes de sociação, planos de carreira e funções específicas. Contudo, observamos que não é ainda uma "classe para si", pois permanece em uma situação diferente de grande parte dos grupos menos favorecidos nas estruturas de poder do séc.XX, visto que estes, depois de se reconhecer como classe, voltaram-se à desenvolver possibilidades de interagir para compensar as perdas comuns. Condição que resultou em um ambiente de sociação bastante abrangente, que ao longo do tempo levou diversos agrupamentos a conquistar o direito, hoje amplamente amparado pela Constituição Brasileira, de criar associações de classe, sindicatos etc. 

Segundo dados do IBGE, o Brasil possuía, ainda em 2004, mais de 350.000 organizações não governamentais, entre elas estão os sindicatos, associações e cooperativas. Esse número nada desprezível mostra que para cada grupo de aproximadamente 550 brasileiros existe uma organização não governamental. 

Embora a nossa sociedade esteja passando por esse momento de amplo associativismo, os membros das Forças Armadas brasileiras têm alguns obstáculos para se beneficiar dessa "onda", um deles é a grande quantidade de regras diferentes das estabelecidas para o restante da sociedade. 

A associação para obtenção de melhores condições de trabalho nunca fez parte da cultura das praças das forças armadas, e existem regras, explicitas e implícitas, que combatem essa possibilidade. Na Marinha do Brasil, por exemplo, há um velho ditado que diz: "Mais de um é motim". No anexo "I" do Regulamento Disciplinar para o Exército, aprovado pelo Decreto Nº 4.346, de 26/08/2002, consta uma grande relação de proibições acerca de manifestações coletivas . Paradoxalmente, a própria Constituição Brasileira de 1988, estabelece que: "XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;"

Mesmo sob proibição e vigilância cerrada, ao longo dos anos ocorreram várias manifestações classistas advindas das camadas subalternas das forças armadas, todas visando melhores condições de trabalho. Nenhuma delas, apesar das acusações dos comandos militares, apresenta indícios concretos de que tenha sido motivada por ideais de ordem político-revolucionária, mesmo assim seus protagonistas, e os próprios movimentos, foram banidos da memória militar. A Revolta da Chibata e a Revolta dos Sargentos de Brasília, por exemplo, são encarados até hoje como tabu dentro das instituições militares, não sendo sequer citados nos currículos das escolas de formação de praças. 

Mesmo sendo ampla maioria, as praças não têm nenhuma representação na elaboração das normas, decretos e leis pelos quais é determinado o seu quotidiano. É-lhes negado o direito de participar da elaboração de planos de carreira, escalas de serviço e regras particulares que especificam suas atividades, muitas vezes insalubres. Estas frequentemente são tarefas similares as realizadas por trabalhadores civis que contam com sindicatos e associações de classe para lhes amparar na conquista e preservação de direitos, ao mesmo tempo que orientam a classe patronal no sentido de preservar a integridade física e psicológica dos trabalhadores. Entre as profissões encontradas entre as praças das forças armadas, que comumente - quando realizadas por trabalhadores civis - têm especificações diferenciadas em relação à jornada de trabalho, equipamentos de segurança e ambiente especial, citamos: Soldadores, maçariqueiros, mecânicos, pintores, carpinteiros, enfermeiros, rádioperadores, controladores de vôo, mergulhadores, operadores de radio, motoristas e eletricistas, etc. 

Na atualidade as normas referentes à organização do trabalho levam em consideração não só a saúde do trabalhador, mas também toda a sua qualidade de vida, e devem incluir a valorização da pessoa humana e a satisfação profissional e social. Tal perspectiva emana do entendimento de que a qualidade de vida é um princípio fundamental para a organização do ambiente de trabalho, promovendo maior produção, satisfação pessoal e motivação. (...)

Os regulamentos militares exaltam a obediência e execram a contestação e desobediência, para eles o bom militar é aquele que persegue obstinadamente o cumprimento de qualquer tipo de ordem superior, seja ela atirar no inimigo, seja pintar uma parede, seja descumprir a Constituição. A menor hesitação pode ser considerada contravenção ou crime militar. Simplesmente comentar com um companheiro acerca de ilegalidade de uma determinação ou de dificuldades como ambiente inadequado, excesso de horas trabalhadas ou falta de equipamento para o cumprimento de uma tarefa, também poderá ser considerado indisciplina. 

Nessa linha de raciocínio, já que a partir da suposta indisciplina advêm a punição, chegamos a (já famosa) questão da vedação constitucional ao Habeas corpus para os militares em caso de punições disciplinares. Alega-se que, este, se permitido afetaria a hierarquia e disciplina. Ora, fica a pergunta: A correção de uma punição injusta, por meio de habeas corpus, seria uma afronta à hierarquia e a disciplina? 

Não seria mais injusto manter uma arbitrariedade? 

No meio civil, que também é hierarquizado, o Habeas Corpus é um remédio legal contra abusos de autoridade e erros de interpretação da legislação. Nas forças armadas, onde pode-se dizer que há um "plus" em relação a hierarquia e disciplina, com possibilidade de que punições (inclusive de privação de liberdade) sejam impostas por autoridades com pouca ou nenhuma noção de ciências sociais aplicadas, nada mais obvio que permitir - e até agilizar - o uso desse eficaz remédio constitucional. 

Justamente por conta da defasagem de direitos em relação à sociedade civil é que, ao longo dos últimos anos as associações de militares tem se esforçado por modificações na CF1988, lutando para que a sociedade militar seja amparada pela mesma onda de direitos que chega à sociedade em geral, contudo suas diretorias constantemente tem sofrido com perseguições e sanções, sendo constantemente acusadas de indisciplina por supostamente afrontar os regulamentos. 

Historicamente as manifestações que partem das praças são consideradas ilegais. "Por outro lado, o alto comando das Forças Armadas, que tem sido sempre muito rigoroso em coibir as manifestações de indisciplina que, eventualmente partem de camadas subalternas da estrutura militar, tem trocado o rigor por condescendência sempre que essas manifestações partem do oficialato". (MOROSINI 1998)

Os vários manifestos elaborados pelo clube militar são um exemplo claro disso. Segundo Liseane Morosini (1998): Inúmeros exemplos dão conta de que o Exército e a Aeronáutica não apenas "protegeram" a estrutura hierárquica de comando na repressão a manifestações, como agiram sob formas diferenciadas no tratamento das mesmas. Nas revoltas lideradas por oficiais (...) muitas vezes houve condescendência. Mas, nas promovidas por praças, o argumento de corrosão da estrutura faz com que o combate seja sempre mais ostensivo. Provavelmente por conta da escolaridade da categoria, seu modo simples de falar e a falta de status social, suas manifestações são consideradas como precipitadas, descabidas ou impulsionadas por elementos de fora das forças armadas, subversivos ou agitadores (VASCONCELOS, 2008). Contudo, atualmente uma parcela considerável das praças tem formação superior, fator que poderia então, por essa ótica, validar os movimentos atuais.

Outra questão interessante e bastante discutida se refere à própria Justiça Militar. Em vários artigos jurídicos encontrados na internet se levanta a questão da composição dos conselhos de justiça, pelos quais se decide o destino dos militares acusados de crimes militares (a maioria são praças), estes conselhos contam somente com a oficialidade, sendo negado à outra parcela do contingente o direito de ser julgados também por seus pares . 

Está em andamento desde o fim do sec. XIX um movimento silencioso - quase invisível aos olhos da sociedade civil - mas bastante abrangente, e que se agigantou nos últimos anos do sec. XX. O movimento congrega militares de todas as forças, visando a humanização das relações, melhores condições de trabalho e estabelecimento de limites legais para a dominação de uma classe sobre a outra. Contudo, além de todos os entraves legais que desestimulam a associação, as praças das forças armadas têm ainda que enfrentar o próprio habitus – para usar o termo no sentido em que o sociólogo Pierre Bourdieu o coloca – tendo que vencer o arraigado espírito militar, introjetado por anos de treinamento e convívio na caserna. Hoje a categoria, em vários locais do país, vem lutando por organizar-se e pelo direito de fundar associações que visam principalmente conquistar maior humanização das condições de trabalho e relações hierárquicas dentro da caserna. 

As discussões nesse sentido são cada vez mais comuns, principalmente pela internet, espaço em que diversos militares, praças e oficiais, desafiam a proibição de se manifestar publicamente, discutindo soluções, vitórias, derrotas ou simplesmente expondo as situações vividas no quotidiano dos quartéis(...).”


                     Enfim, observe a foto abaixo. Exemplo de união e solidariedade entre associações que congregam uma mesma categoria profissional. Vê-se cidadãos sem fardas e sem armas, mas são militares. Com postura serena e altiva, todos caminham ombro-a-ombro, cônscios do seu papel e importância política, não se distinguindo oficiais, de praças, pois, aí estão a defender a mesma causa, a causa dos militares. 


Manif

Trata-se de uma manifestação pública, pacífica e silenciosa feita pelos militares portugueses. Veja o que foi veiculado na imprensa local: 


Militares manifestam-se rumo ao Ministério das Finanças

Por Agência Lusa, publicado em 12 Nov 2011 - 15:19 | Actualizado há 5 semanas 3 dias


Centenas de militares começaram cerca das 15:40 a desfilar entre o Rossio e a Praça do Comércio, com destino ao Ministério das Finanças, numa manifestação silenciosa, em que as palavras de ordem surgem apenas em faixas e cartazes.
À frente da manifestação, que está a descer a Rua do Ouro, estão os presidentes das três associações que convocaram o protesto: Associação Nacional de Sargentos (ANS), Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) e Associação de Praças (AP), que empunham uma faixa com os emblemas das três associações.
Outras palavras de ordem, expressas em cartazes empunhados pelos manifestantes, são: "Dignificação da condição militar", "Redução de efetivos + congelamentos = desarticulação das Forças Armadas", "Não à descaracterização da instituição militar" ou "Não à destruição da saúde e condição militar".
Nos cartazes pode ainda ler-se: "Estas políticas destroem a condição militar - Combate-as" e "Amnistia aos militares castigados por delito de opinião".
A manifestação foi convocada como protesto contra a degradação das condições dos militares.
O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA) estimou hoje em mais de 10 mil os manifestantes que enchem a Rua do Ouro, em Lisboa, numa manifestação silenciosa com destino ao Ministério das Finanças.
"Ultrapassa em muito as expetativas e, a ser assim, é uma jornada que irá ficar para a história", disse o coronel Pereira Cracel.
O capitão de Abril Vasco Lourenço juntou-se hoje à manifestação de militares em Lisboa "para protestar contra a degradação da condição militar, mas também como cidadão, por causa do estado a que o País chegou".
"A instituição Forças Armadas tem vindo a degradar-se há vários anos e a situação está a atingir pontos totalmente inaceitáveis", disse à Lusa Vasco Lourenço, que é também presidente da Associação 25 de Abril. "Há que fazer um protesto forte", afirmou.
Para o militar, "o Governo serve-se das Forças Armadas como único instrumento para intervir na política externa, mas tem vindo a degradar a instituição". E exemplificou com o caso dos líbios que fizeram parte da resistência ao regime de Kadhaffi e que se encontram em Portugal para serem tratados, estando a ser assistidos no Hospital das Forças Armadas.
Por outro lado, acrescentou, o Executivo "está a tentar resolver a crise com medidas inaceitáveis, que estão a colocar portugueses contra portugueses". No entanto, Vasco Lourenço demarcou-se das declarações de outro capitão de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, que esta semana defendeu que "ultrapassados os limites", os militares devem "fazer uma operação militar e derrubar o Governo".
Para Vasco Lourenço, "a hipótese de um golpe militar não tem qualquer sentido". As declarações de Otelo "são uma asneira muito grande porque ofendem os militares e os militares de Abril também.
"O 25 de Abril não foi feito por razões socio-profissionais, mas por razões políticas, para acabar com a ditadura e alcançar a democracia. Colocar a hipótese de um golpe militar por uma diminuição dos direitos dos militares é uma estupidez", disse. 

VEJA TAMBÉM: 

A manifestação dos militares de 12 de Novembro e a democracia


Manif

“…O significado político da sua manifestação e falo como paisano, comparo-a à grande manifestação dos professores contra a política do anterior governo, que foram capazes de superar divisões e preconceitos, ocupando o lugar das vanguardas burguesas e operárias que agiam em defesa, não apenas dos seus interesses de classe, mas do que consideravam causa pública e nacional.”

Os direitos democráticos

A democracia nada tem a temer dos militares quando estes usam as armas da democracia, como a manifestação pública ou o discurso político. A democracia moderna reconhece aos cidadãos militares os seus direitos políticos associativos. O mesmo se aplica às forças militarizadas. A exigência de neutralidade partidária das forças armadas e militarizadas é outra coisa.

A afirmação de que as forças armadas se manifestam no campo de batalha, mesmo que suportada com a força moral de quem já combateu, num mundo dominado pelas guerras de conquista e pela disseminação das tecnologias militares do holocausto nuclear ou químico, em que os militares são igualmente vítimas, é, no mínimo, redutora da condição militar contemporânea.

No caso português a missão estratégica das forças armadas, no quadro do nosso estado democrático e constitucional, deve orientar-se para evitar a guerra e proteger a soberania nacional, que é sobretudo território marítimo (1.800.000 Km2 para 92.000 Km2 de território continental), para a Defesa Civil, para enfrentar as catástrofes humanitárias e contribuir para as tarefas de pacificação dos conflitos internacionais, estendendo esta cultura política às forças policiais e a todo o aparelho repressivo do estado.

A Ética e a condição militar

A condição militar, numas Forças Armadas cada vez mais instruídas, cultas e integradas socialmente, levanta também um problema ético fundamental. A legítima defesa da vida, quando ameaçada de morte, conduz o ser humano ao mais terrível dos dilemas e, como ele, as nações democráticas: não desarmar a democracia significa substituir o exército de caserna e mercenário por um corpo de profissionais e voluntários politizado, interclassista, preferencialmente assente no serviço militar universal apenas limitado pelo respeito devido aos objectores de consciência e outros pacifistas ( a extinção do denominado “serviço militar obrigatório” é, na minha modesta opinião, um passo atrás na democratização das forças armadas e um erro crasso da esquerda); forças armadas onde prevaleçam igualmente os Direitos Humanos e as liberdades e direitos fundamentais da democracia. Partidariamente neutrais e orientadas estrategicamente para evitar a guerra e proteger a soberania nacional, para a Defesa Civil ( onde se insere não apenas o enfrentar das catástrofes humanitárias, mas também o combate aos incêndios, apoio às forças de segurança no combate ao crime organizado e o combate contra o terrorismo) e para as tarefas de pacificação e resgate dos conflitos internacionais, estendendo esta cultura às forças policiais e a todo o aparelho repressivo do estado, como se disse no início desta crónica e aqui se sublinha. Cada avanço na democratização das forças armadas e policiais, na sua consciência política democrática e ambiental, tal como o reforço do direito internacional e a democratização do aparelho judicial à escala do país, resultarão num ganho estratégico contra a ameaça de corrupção e poder arbitrário das oligarquias, a guerra civil fratricida e o holocausto atómico ou bioquímico da Humanidade.

Nelson Mandela escreveu no seu Diário Íntimo:

A situação real no terreno pode justificar o recurso à violência, que mesmo os homens e mulheres bons podem ter dificuldade em evitar. Mas mesmo nestes casos a utilização da força deverá ser uma medida excepcional, cujo objectivo primordial deverá ser o de criar o ambiente necessário para soluções pacíficas. São estes homens e mulheres bons que constituem a esperança do mundo. Os seus esforços e os seus feitos são reconhecidos para além da morte, mesmo para além das fronteiras dos seus países, tornam-se imortais”

Frederico Engels elaborou este mesmo ideário ainda no século XIX, na sua reflexão crítica sobre as ideias do professor Dhüring e acerca do papel da violência na História. A história marxista guardou-lhe um lugar na sombra de Marx e deixou de ler e estudar o seu magnífico e original pensamento, acerca do papel do trabalho na transformação do macaco em homem, a origem da família, da propriedade e do estado, que resgatou o matriarcado e negou o fatalismo histórico que condenava a mulher à subalternidade social, acerca da questão camponesa, que impunha aos revolucionários operários e intelectuais o dever de lutar contra a destruição da pequena propriedade rural brutalmente esmagada pelo crescimento capitalista…

Façamos agora votos para que Mandela atinja a imortalidade.

A crítica

O jornal "Público" escreve que um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o âmbito do direito de manifestação dos militares, defende que os militares no activo não podem manifestar-se em protestos que "tenham por finalidade efectuar reivindicações em matéria de estatuto socioprofissional, como forma de pressionar os órgãos do poder legislativo e/ou executivo e de exigir que estes as negoceiem e aceitem". Estas situações, consideram os conselheiros, integram questões de "natureza materialmente sindical" e os militares em efectividade de serviço não podem participar em manifestações deste tipo. As associações socioprofissionais das Forças Armadas mostram-se preocupadas com esta interpretação, num período que, dizem, se anuncia conturbado.

O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República é formado pelo procurador-geral da República, que preside, e por procuradores-gerais adjuntos, em número constante de quadro aprovado pelo Ministro da Justiça, sob proposta do Conselho Superior do Ministério Público. Actualmente, é de nove o número de membros do Conselho. Ou seja, é um órgão de natureza técnico-política, que emite um parecer técnico e político, no caso associando a manifestação a questões sindicais. Convirá então olhar primeiro para as reivindicações expressas na manifestação dos militares. Recorremos de novo à imprensa: As palavras de ordem, expressas em cartazes empunhados pelos manifestantes, foram: «Dignificação da condição militar», «Redução de efectivos + congelamentos = desarticulação das Forças Armadas», «Não à descaracterização da instituição militar» ou «Não à destruição da saúde e condição militar». «Amnistia aos militares castigados por delito de opinião». Trata-se de consignas de natureza intrinsecamente políticas, apartidárias, mesmo quando pontualmente materializadas em questões sócio-profissionais.

Em nome do direito ao contraditório, importa também ouvir o discurso directo dos militares: «O protesto não se deve só a motivos remuneratórios, mas está relacionado com os direitos derivados da condição militar, que estão gradualmente a ser retirados», disse o presidente da Assembleia Geral da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), para quem estes direitos «não são um favor». Para Castanho Pais, «em todos os estados civilizados» há direitos especiais para os militares, mas em Portugal os militares «estão a ser tratados como meros funcionários públicos. Pede-se aos militares para defenderem a pátria, e se for preciso perderem a vida. Isto não se pede aos funcionários públicos». É uma forma clara de explicar a diferença ao cidadão comum. E a redução do dispositivo militar tem de garantir a dignidade e os direitos dos seus militares, porque a democracia tem uma dívida de sacrifício, de sangue e de luto, para com as gerações de militares que tiveram de fazer a guerra colonial.

Falando na conferência sobre o Futuro na Europa, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, Mário Soares afirmou que há uma “relativa conformidade” enquanto as manifestações forem dirigidas pelos sindicatos, porque fazem parte do “jogo político e social”. “Mas desta vez deu-se um passo muito importante. Temos uma manifestação dos militares. E não é uma coisa fácil, é algo que deve impressionar as pessoas, que têm de reflectir e têm de agir, dizendo o que pensam e insistindo para que as coisas tomem o seu caminho”, argumentou.

Na minha leitura dos factos, os ilustres magistrados não demonstraram a natureza essencialmente sindical do protesto e o antigo Presidente da República limitou-se a reconhecer um facto histórico novo: a chegada dos direitos democráticos aos cidadãos militares, que, como cidadãos, os tiveram que tomar nas suas próprias mãos…desarmadas no acto e sublinho, desarmadas!

Na minha opinião, política, devemos saudar este passo no sentido da democratização das formas armadas (e militarizadas) e compreender que o direito, mesmo quando legitimamente interpretado, está sempre um passo atrás no fluir da vida social.

Mário Soares defendeu, na altura, uma “ruptura” e o fim do domínio dos mercados: “Os mercados não podem mandar nos Estados, são os Estados que mandam nos mercados. Mas o que sucede é que muitos dos dirigentes dos Estados estão feitos com os mercados”.

É neste contexto, que teremos de reconhecer que as ameaças à democracia vêm hoje, não das manifestações dos militares, mas de um outro do poder acima da lei, do direito, da moral, da ética e da economia, que o sistema financeiro internacional em crise representa, impondo aos partidos antecipadamente o programa dos vencedores das eleições (como aconteceu em Portugal), ou derrubando os líderes eleitos e escrutinando os seus sucessores sem eleições, como no caso da Irlanda, depois na Grécia, depois a Itália e depois…?

E tudo isto se reflecte nas nossas vidas, na sua qualidade e na nossa esperança de vida: Pois não é verdade, que, por imposição da Troika e da linha política seguida por Passos Coelho, o Orçamento de Estado do anterior governo e o actual, se dispõem a gastar no buraco do BPN até 8 mil milhões de euros, enquanto que para as forças militarizadas só ficam disponíveis 7 milhões, dos 50 que seriam necessários para corrigir “as injustiças” (as afirmações entre aspas são dos governantes) e reconhecer “os direitos legais” dos polícias-cidadãos? E esta quantia ou a que reivindicam os militares (e que o actual ministro da defesa reconhece como devidos) não é uma ínfima parte daquele escandaloso esbulho dos fundos públicos, dos impostos pagos pelos cidadãos e do valor produzido pelo trabalho nacional?

No protesto, segundo a organização, estiveram “mais de dez mil”, entre generais, almirantes na reforma, sargentos e praças. Não foram gritadas palavras de ordem. A moção aprovada no final da manifestação convocou uma vigília tendo por objectivo “sensibilizar o Presidente para que não promulgue o Orçamento do Estado”, que, no nosso quadro constitucional, é o comandante supremo das Forças Armadas.

A comunicação social associou a manifestação às declarações de Vasco Lourenço, também presente no Rossio, que acusou o Governo de ser um “bando de mentirosos”, epíteto que entrou na rotina do debate público e institucional e apelou aos militares para defenderem a população em caso de “repressão” por parte das forças de segurança nas manifestações agendadas “como se passou no Egipto”. 

E às de Otelo Saraiva de Carvalho: “Para mim, a manifestação dos militares deve ser, ultrapassados os limites, fazer uma operação militar e derrubar o Governo. Não gosto de militares fardados a manifestarem-se na rua. Os militares têm um poder e uma força e não é em manifestações colectivas que devem pedir e exigir coisas", terá dito.

Otelo tem um pensamento político “putschista”, que ressurge ciclicamente em, épocas de crise, à esquerda e à direita do sistema político. A crença de que um pequeno grupo de homens determinados e armados, através de um golpe militar, pode mudar o destino de uma nação e conduzi-la para um ideal maior, conduziu, à esquerda, aos primeiros movimentos nacionalistas do Egipto ou da Líbia, mas também, à direita, às ditaduras militares da América Latina e da Grécia dos coronéis. No caso do nosso 25 de Abril, que Otelo teria comparado à actual situação do país, esta visão da Revolução Democrática de 1974 manifesta uma total incompreensão política acerca do facto histórico em que assumiu o papel de destacado protagonista.

A guerra colonial foi o maior crime do regime fascista de Portugal. Custou à nação portuguesa cerca de 9.000 mortos e mais de 100.000 feridos e fez um número superior de baixas nos povos e guerrilheiros das três frentes militares, Angola, Moçambique e Guiné. Foram 13 anos de esforço de guerra e também de perca de imensos recursos financeiros, num país que continuava a ser o mais atrasado da Europa ocidental. Portugal não é um país de brandos costumes e o que caracteriza o seu povo é uma grande capacidade de sofrimento. O exército americano, líder em tecnologia e recompensas financeiras, não aguentaria 1 ano de guerra em África nas condições em que os nossos militares suportaram 13 anos.

Mas a guerra colonial foi o factor decisivo na refundação da democracia em Portugal: gerou um movimento político no seio das forças armadas, de capitães e outros oficiais e depois de milicianos e soldados, que tomaram consciência de que a guerra só tinha uma solução política e essa passava pela democracia, a descolonização e o desenvolvimento social.

O povo português ficou a dever muito à coragem dos militares de Abril, mas muito mais aos mortos e às vítimas civis que, dos dois lados do conflito, conduziram o regime fascista ao isolamento internacional e á perda da sua base de apoio popular.

Todos nos devemos inclinar perante essa memória trágica, que comporta uma lição actual: a guerra é a pior solução para os conflitos políticos e pode ser evitada; todas as guerras, conduzem sempre a uma solução política.

A descolonização, objectivo prioritário da revolução de Abril, provocou o regresso à metrópole de mais de 500.000 retornados, a maioria pertencente às classes trabalhadoras e à pequena burguesia, incluindo funcionários e empresários que perderam a maior parte dos seus bens, abrindo então os mercados coloniais a novas potências. Não obstante e graças à sua cultura de trabalho e empreendedorismo e em conformidade com o espírito de solidariedade que predomina na consciência popular nacional, e também com medidas de apoio dos governos democráticos pós-25 de Abril, a integração foi total e exemplar, contrastando com outros casos europeus, marcados pelo sectarismo, a intolerância e até o confronto violento.

A democratização do país e a descolonização não mudaram apenas a correlação de forças no sul da África, em resultado da independência de Angola e Moçambique (1975), que deixou a Rodésia racista sem retaguarda, deu apoio à independência da Namíbia e isolou o regime de apartheid da África do Sul.

A derrocada dos regimes fascistas, militaristas e do apartheid contemporâneos, tal como depois no Leste, seguiria então um processo semelhante ao da revolução democrática portuguesa, impulsionado por crescentes ondas de manifestações e protestos populares pacíficos, que enfrentaram a repressão e enfraqueceram as ditaduras militares e oligárquicas, da Espanha à Grécia, ao Chile e Argentina, na Indonésia e Timor ou na África do Sul, talvez porque a revolução democrática tardia, no Portugal colonialista e fascista, que fez estremecer a Europa em 1974/75, tenha avisado as classes dominantes que a luta pela democracia e pela paz pode conduzir aos mais imprevisíveis resultados.

O pensamento político de Otelo, ignora e não entende as lições da nossa própria história. O grupo de militares que com Humberto Delgado tentou derrubar o regime fascista em 1961, não era menos corajoso que os seus herdeiros políticos, e fracassou porque não se apoiava na luta do movimentos popular nacional e colonial: Otelo, mesmo quando celebra a revolução dos capitães, esquece a luta de guerrilha em Angola, depois Moçambique e a Guiné, que desgastou as Forças Armadas e fez emergir do seu seio generais dissidentes e jovens oficiais revoltosos. E omite a espontânea vaga popular que alastrou pelo país, erguendo seculares e novas reivindicações de liberdade, pão, paz, saúde e habitação. Felizmente que a História, na sua humana e piedosa compreensão sobre as nossas humanas fraquezas e erros, registará do homem, o feito revolucionário, mas não as suas palavras ilusórias.

A manifestação dos militares, na sua forma, organização e conteúdos políticos e a vigília programada, constituem contributos válidos para o alargamento da democracia e contra o golpismo anti-popular, tenha ele a cor que tiver e neste contexto, representam um notável contributo para a evolução da democracia na Europa e no mundo.

O significado político da sua manifestação e falo como paisano, comparo-a à grande manifestação dos professores contra a política do anterior governo, que foram capazes de superar divisões e preconceitos, ocupando o lugar das vanguardas burguesas e operárias que agiam em defesa, não apenas dos seus interesses de classe, mas do que consideravam causa pública e nacional.

Publicada por dos santos em 11/23/2011



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